BALADA DO CASTANHEIRO
Eu nasci num belo souto
Filho dos meus ancestrais
E para abrigo de couto
Livrei-me dos matagais.
Fui esbelto castanheiro
Sempre dei belas castanhas
Tornei-me forte e hospedeiro
Da frescura das montanhas.
Reforcei minhas raízes
Na vida fui o que eu quis
Não tive grandes deslizes
E salvei-me dos javalis.
Meus ouriços de qualidade,
Livraram-me de chatices
Salvaguardei a minha idade
Poupando-me das gulodices.
Criei castanhas desde cedo
Até o gaio gostou delas
Levou muitas em segredo
Semeando-as pelas vielas.
O Verão foi muito custoso
Que o digam os pica-paus
Que vinham em tom jocoso
Avisar-me dos dias maus.
E até o lince da floresta
Que de castanhas não gosta
Vinha cá dormir a sesta
Nesta frescura de encosta.
E no calor dos espasmos
Sempre deixei as crianças
Pendurarem nos meus ramos
Seus baloiços e folganças.
O medo que eu mais tinha
Era do fogo traiçoeiro
Tê-lo ao longe me convinha
Ou não fosse eu castanheiro.
Minha estação preferida
É a estação do Outono
As cores dão-me outra vida
Sou como um rei no seu trono.
Os meus primos, os carvalhos,
Sempre me deram conselho:
Castanhas não fossem bugalhos
Se quisesse chegar a velho.
E agora que velho já estou
Apenas me resta a glória
De ser assim como sou
Árvore honrada com história.
História que vem de longe
Por sendas encruzilhadas
Feito cajado de monge
Nas penosas madrugadas.
Fiz casebres e palácios,
Suas portas e janelas,
Construí mesas e engrácios
E traves de sentinelas.
Eu fui zorra de arrastos
E alto estacal de plantios,
Cobri a relva dos pastos
E fiz-me canoa dos rios.
Castanhas são o meu fruto
Todos lhe têm paixão
Tanto nas festas de luto
Como nas de exaltação.
Destas festas, com saudade,
Têm destaque os magustos
São populares de verdade
E gozam de baixos custos.
Já fui farinha, fui pão
Pros mendigos e pros nobres,
Fui licor de eleição
E poupança nos alfobres.
Aqueci muitas lareiras
Nos invernos friorentos
Recolhi frutos de jeiras
Em arcas de alimentos.
Deixemos o castanhal
E partamos em viagem
Fui caravela de Portugal
Em transportes de coragem.
Remei puxando as galés
Mare nostrum por critério
Capitão-de-mar no convés
Para glória do Império.
Feito nau, feito veleiro,
Ou em vapores de progresso,
Dei voltas ao mundo inteiro
Em mil viagens de sucesso.
Não foi fácil manter a linha
Tive do cedro a concorrência
Matéria-prima era minha
E ademais toda a experiência.
Não foram só aventuras
Tudo aquilo que passei
Também tive amarguras
Nas lágrimas que chorei.
Fui trave de cadafalso
Em veredicto farsário
Carreguei Cireneu descalço
Até ao alto do Calvário.
Eu não sei se ressuscito
Ou se ficarei para húmus
Mas que acreditar, acredito
Haver justiça e aprumos.
E por falar em justiça
Quando a há sou feliz
Termino sempre cada liça
Pelo martelo do juiz.
Eu já tenho tanta idade
Que até lhe perdi a conta
Mas mantenho qualidade
E a velhice é pouca monta.
Há um senão que eu confesso
Que não posso calar mais
É o plantio em excesso
Da selva de eucaliptais.
É muito bonita a cultura
Nas encostas verdejantes
Mas é triste fazer a usura
Com atitudes delirantes.
É deplorável o explorar
O qu´ é geral com ruins modos
E é bom o saber granjear
A riqueza que é de todos.
Vaidade não é nenhuma
Por ser árvore verdadeira
Fica-me, da alma, alguma
Lembrança da vida inteira!
Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA