TROVAS DA MINHA ROMAGEM
«A caminho da Penha»
De cá, de Lisboa, me embarco
Pelas onze e trinta em ponto,
E p´ las quinze e trinta, eu conto,
Chegar ao destino que abarco.
Para Guimarães de viagem,
Esperando lá chegar bem
Boa saúde, como convém,
Será esta a minha romagem.
Eu vou a caminho da Penha
Num gesto de peregrinar,
Cheio de fé espero lá chegar,
E a bênção da Virgem me venha.
Pulula cá dentro de mim
Sincera alma a fervilhar
Ardendo em fé viva sem par
Num lauto banquete sem fim.
De comboio Intercidades
Viajo num franco transporte
Deus me dê toda a boa sorte
Para que saiam as ansiedades.
Discreto pranto de comoção,
Uma jovem a meu lado sofre
Escondendo na alma um cofre
Com mistérios de coração… (?)
- Ó Senhora da Penha, atende
A jovem qu´ a meu lado vai
Pois todo o sofrer sempre atrai
A quem todo o outro compreende.
A Santarém estou chegado,
Em manhã de sol radioso,
Sinto-me um pouco ansioso
Dentro dum trem superlotado.
Já passei no Entroncamento
E agora atravesso Pombal,
Terminei de ler o jornal
Sem novidades de acrescento…
Li apenas que, certo ministro,
Apresentou plenas garantias
Da CP crescer em melhorias,
Mas onde é qu´ eu já ouvi isto?
Oiço a anunciar Alfarelos,
Cerca de metade do caminho,
Bebo de água um poucochinho,
Água da Penha, sete-estrelos.
Agora, Coimbra no horizonte,
De nome “B” convencional,
E o famoso Estudo Geral
Lá muito no alto e defronte.
Mais adiante corre o Mondego
Por um Choupal esverdeado,
O trem não circula atrasado
E sente-se cá mais sossego.
Entraram, porém, passageiros
Buscando para si lugar
Um ou outro a minguar
Pois nem todos são hospedeiros.
Estendem-se vinhedos e pomares
Quase prontos para a colheita,
Será que haverá boa receita
E um proveito de bons ares?
Vem a estação de Pampilhosa,
Fala uma voz anunciada,
Numa atmosfera enrolada
Em paisagem meio brumosa.
A cidade de Aveiro à vista,
Muitas pessoas vão a sair,
Para nova viagem seguir
Numa ansiedade alquimista.
E, eis a cidade de Espinho,
Sinto na pele adrenalina,
E o sol, a rasgar a neblina,
Deixa mais aberto o caminho.
O trem já ultrapassou Gaia,
Deslizando por sobre o rio,
Campanhã está ali por um fio
Com outra gente e outra laia…
Gente e mais gente que saiu
Há mais largueza, coisa rara,
Segue o tempo e ele não pára
E Lisboa ninguém mais a viu.
Saiu o trem de Campanhã,
Em carreira de Trofa-a-Fafe,
Passa o Minho com´ interface
Em meia hora estarei lá…
Entre a Trofa e o Santo Tirso
Com silêncio e sem alvoroço
Dei-me, co´ apetite, ao almoço:
Bife, banana, pão e chouriço.
De um tinto amigo, nem vê-lo
Que a prudência já tem manha,
Bebi uma aguita da Penha
Bem guardada com muito zelo.
Em Vizela estou transitando,
Neste tão precioso momento,
No alto das Pêras São Bento
Que dá prazer ir admirando.
Passa o comboio em Nespereira,
Que bela que está esta tarde,
Sinto uma saudade que arde
Quando avisto a Casa da Beira.
Já tenho Guimarães à porta,
O meu corpo já o pressente,
Vejo a Penha no alto, e à frente,
E todo o meu Eu se exorta.
Guimarães, Cidade de Bem,
Debaixo de um sol tão brilhante,
- Que calor! Ouvi num instante,
Duma boca não sei de quem…
O fiel comboio chegou à hora,
Quase toda a gente saíra,
Alegria, essa, ninguém ma tira
Já cá estou a partir d´ agora.
Passeei até à hospedagem,
O meu lugar está reservado,
A viagem correu como é dado
Nesta minha louca romagem.
A vida, por aqui, está calma
Na esperança da Senhora da Penha,
Fica feliz quem por cá venha
Dar alimento à sua alma!
Frassino Machado
TROVAS DO QUOTIDIANO