quarta-feira, 11 de julho de 2018

DESARMONIA


Pintura de Dórdio Gomes


DESARMONIA


Anoiteceu! Os ruídos da terra foram-se. A última formiga encolheu-se, mais escura, mais humilde, na prega onde vai dormir. Despregou-se lentamente a folha que tremia. As aves mais novas, as mais turbulentas cruzaram os braços. Calou-se o chilreio dos pardais e fecharam-se as gargantas alegres das rosas. As últimas claridades, mesmo as mais teimosas, resignaram-se, e lá se foram. As veias das águas pulsam mais baixinho. Dobram-se as ervas altas. Nos regatos das montanhas param os lobos. Arrumaram-se as borboletas imóveis. As andorinhas interrompem o seu trilhar. Tudo o que vive respira e larga o seu perfume. Tudo o que rasteja imobiliza-se. Tudo o que canta e voa, pára. 

Os vales claros são colcheias, as montanhas são os sustenidos, os ribeiros são bemóis. Os pinheiros acompanham em surdina, e os plátanos trazem as suas notas. As colinas sentam-se. O silêncio, hino de todas as notas, sobe, alastra, cresce, toma todo o espaço… e fica no coração de cada lírio, fica na onda de carinho que paira sobre a escuridão, fica nos olhos das gazelas, em tudo o que é graça, em tudo o que é branco, simples, puro. Na serra, o pastor põe-se à espera das estrelas e mais acima um casal de apaixonados sente-se inundado de um maravilhoso enternecimento. 

Mas na febre das cidades, as criaturas fecham as janelas, descem os estores, fecham os cortinados e recorrem à iluminação elétrica… Não podem ver, não podem ouvir o silêncio prodigioso da Natureza. Ninguém olha as estrelas! Só podem ver e ouvir televisão!

Alfredo Costa Pereira