VARINA DEVOTA…
Foi-se a varina devota, pescadinha rabo na boca
Canastra sobre a cabeça, p’ra ganhar coisa pouca
Mas o tempo já mudou, já passou a tradição
O passado é coisa morta, seus pregões já lá vão
Como recordo esse tempo, feito menino e moço
Aquele cantar de esperança, pondo tudo em alvoroço
Calcorreando as vielas, ou até mesmo as avenidas
Com a maresia na voz, nas palavras mais ouvidas
Passou o tempo, daquele tempo
Ousado e triste com um intento
Passado lembro-me o momento
Com saudades daquele tempo daquela voz
Foi-se o tempo, mas que tempo
Agora acordamos sós
Com o tempo e apenas nós
Onde anda aquele pregão, e ainda outros mais
Tagarelas na cidade, p’la manhã onde andais
Eram poetisas que rimavam, com frases vindas da lota
Tinham do tejo o andar, numa onda de gaivota
Uma freguesa que vinha, à janela p’ra pedir
Maré cheia de peixe, feita para nos servir
Ao almoço ou no jantar, na canastra a saltar
Este retrato de Lisboa, irei sempre recordar
Passou o tempo, daquele tempo
Ousado e triste com um intento
Passado lembro-me o momento
Com saudades daquele tempo daquela voz
Foi-se o tempo, mas que tempo
Agora acordamos sós
Com o tempo e apenas nós.
Ai varina como tenho saudades, daquelas lindas idades.
© ARIEH NATSAC