DÉCIMAS DE MIM
Mais perto do fim da vida,
Porque a idade não perdoa
E o tempo dizem que voa,
Estarei também de partida
Para a viagem só de ida…
Mas antes que isso aconteça
E que de vez adormeça,
Queria falar-vos de mim,
Pois nem sempre fui assim,
Muito embora não pareça!
Fui menino Alentejano,
Pé descalço e pouca roupa,
Porque mal dava prá sopa
O dinheiro esse magano…
E eu pobre provinciano,
De pais humildes e sérios,
Habituei-me aos critérios,
De viver com o que havia,
Comer pão com melancia
E a dormir sonhar impérios…
Com velhas meias fiz bolas.
Fiz carros com rolamentos.
Fiz fisgas e outros inventos.
Paus que imitavam pistolas…
As resinas eram colas,
Para as minhas invenções,
Que à chaminé, aos serões,
Me ocorriam à cabeça,
Compondo peça por peça,
Sem esquecer afinações…
Tinha várias ratoeiras,
Com que apanhava os pardais,
Cotovias e outros mais,
Com ardilosas maneiras,
À sombra dumas figueiras!
Mas aos ninhos nunca andei!
Os que vi, não lhes toquei!
Os ovos, depois as crias,
Olhava-os todos os dias,
Da forma que só eu sei…
Aos nove anos, pouco antes,
Fui para a feira do gado,
Com um projecto arrojado:
Matar a sede aos feirantes
E aos animais ofegantes.
Água fresca de nascente,
Por dois tostões toda a gente,
Me pedia um copo cheio
E deste modo me estreio,
Fazendo à pobreza frente!
Fui à noite o português,
Mais rico naquela feira;
Brinquei de toda a maneira,
Em tudo, mais de uma vez!
Porém mais me satisfez,
Comprar um naco gigante,
De bom Torrão de Alicante
Que a minha mãe adorou,
Acto que proporcionou,
Um momento emocionante!...
Muito mais há pra contar,
Nas minhas próximas décimas,
Que espero não achem péssimas…
Se a memória não falhar
E a saúde não faltar,
Às vezes já combalida,
De uma ou outra recaída,
Prometo que contarei,
Tombos e risos que dei,
Mais perto do fim da vida!...
José Manuel Cabrita Neves