quinta-feira, 8 de setembro de 2016

OS CAMINHOS DE SEZIM





 OS CAMINHOS DE SEZIM  


“Velhos tempos, novas gentes”


Vão longe os tempos da conciliação
Entre a identidade do povo e a nobreza
De um lado, o património da singeleza,
Do outro lado, os desígnios da Criação.

Nesta dinâmica de contemplação
A mão de Deus, qual elo de fortaleza
Sustentando a engrenagem, na certeza
De um destino firmado na Razão…

No coração do povo corria a fé
Alimentada pela aura da Nação,
E nas elites da nobilitação
Corria a crença do que o mundo é.

Que reza a Natureza no rescaldo?
Vistas as coisas pelo que interessa
Os dois lados mudaram bem depressa
Fazendo nos primeiros melhor saldo.

No povo, a classe média foi subindo;
Nas elites, os nobres minguaram;
E os velhos pergaminhos que ficaram
Vão-se na história aos poucos esvaindo.

Da Beira até Sezim cumpre-se a regra:
O que era velho vai ficando novo 
E um outro visual reveste o povo
Diminuindo a nobreza de forma cega.

Mas não há povo como antigamente,
E já não há nobreza que se imponha
Apenas um caminho que envergonha
A alma de um País que já não sente.

A selva vai morando em todo o lado:
Já não é pura a água da velha fonte
E as ervas daninhas trepando no horizonte
Engrossam aqui e ali um triste fado.

Nas árvores orgulhosas e centenares 
A pura seiva aos poucos vai perdendo
A razão de um viver que se vai vendo
Serão pasto de um fogo e seus esgares.

Mas ainda há penedias vigilantes 
Que acolhem no seu ventre os verdes limos
Como se fossem filhos de seus mimos
Com saudade das nuvens lacrimantes.

Ainda há velhas paredes desdentadas,
Pedras sonhando o descansar de alguém 
Que parece que virá mas nunca vem,
E os romeiros são águas já passadas.

Ainda há também silvados com amoras
E vêem-se fetos e densos canaviais;
Mas já não há crianças nunca mais
A brincar no caminho das suas horas.

Estão cansados aqueles velhos muros
Que já nem há portões que os aguentam
Mas há frestas para ver se ali habitam
E, quem lá mora? Apenas os monturos.

Onde está o Palacete de Sezim,
Co´ as paredes ainda salpicadas
De um rosa-velho agora retocadas
E os seus cantos ornados de alecrim?

Onde estão as janelas e os cortinados – 
Dizem que agora há por ali turismo,
Haverá mas, quem sabe, só lirismo – 
E um odor rebafiento de finados?

Onde está a criadagem prazenteira,
Sempre pronta a servir as baronesas,
Expeditas em bolos sobre as mesas
E que ao colo as levavam pra lareira?

Onde está a capela engalanada
Com a Virgem e o Arcanjo lado a lado
E o culto com um coro bem afinado
Nas festas em que a missa era cantada?

E o povo ali corria a dizer Amém.
E até aquele que era ordinário
Suspirava, pela hora do numerário,
O tal milagre que nesse dia vem?

Ai, ó Sezim! O tempora, o mores, 
Hoje corre por ti a exploração
Que o tempo, esse, já não faz menção
De elevar-te ao Parnaso dos amores.

Olha o largo terreiro da folgança
Onde as danças corriam a par das bolas
E hoje, apenas recordações tolas
Para imberbes adultos sem esperança.

Na fonte, em vez da água corre o lodo
E as araucárias já não têm brancura
Na fresca sombra que ninguém procura
Que o viandante esmoreceu de todo.

Vou-me nesses caminhos regressando 
Deixando para trás um vil silêncio
Com um vazio cá dentro bem intenso
E a saudade que a Beira vai pintando…

Toda a Mãe-Natureza tem seu tempo
E no tempo, velhos tempos, novas gentes,
Todo o Sonho germina das sementes
Que uma colheita espera de contento!

Frassino Machado
In CANÇÃO DA TERRA