segunda-feira, 29 de novembro de 2021

SABORES DE INFÂNCIA




SABORES DE INFÂNCIA


Memórias que da infância me ficaram,
Retidas na lembrança dos sabores,
Tais como o pão caseiro ou os vapores,
Das refeições que ao lume fumegaram!

Das açordas, das migas, dos licores,
De poejo que o palato então marcaram,
Do pão com azeitonas que enganaram,
A fome, qual petisco dos melhores!

E no forno do pão lulas assadas,
Com linguiça aos pedaços, recheadas,
Era como dos deuses um manjar!

Podem passar mil anos que a lembrança,
De todos os sabores quando criança,
Me ocorrem com saudade ao paladar!...

J. M. Cabrita Neves | 2021

POR UM NATAL MEHOR




POR UM NATAL MEHOR


Por um Natal melhor,
Que faça a diferença!
Harmonia, paz e amor,
O sorrir duma criança.

O amigo a cada dia,
No céu a estrela luzia,
Fé, esperança e poesia,
Era o que se queria!

Para livrar da cruz!
O nascer do protetor,
O Menino Jesus,
Por um Natal melhor.

© Ró Mar | 2021

É NATAL




É Natal
Felicidade de crianças
Que esborracham os narizes
Contra as montras dos brinquedos
É Natal
Quadra de amor
Que com amor se deveria pagar
E apagar ódios surdos
É Natal
Quando os pinheiros
Se enfeitam de luzes coloridas
E mostram prazeres de crianças
É Natal
Quando os homens são irmãos
Só na fachada feita de escárnio
E escondem suas intenções de vinganças
É Natal
Na terra no mar no ar
Na Europa e no Médio-Oriente
Quando as armas calam o seu falar
É Natal
Onde há canhões e pistolas
Nas mãos das crianças
Que tudo fingem matar
É Natal
Quando um riso de criança
Se mistura com o choro da mãe
Que apenas deu ao seu filho um beijo
É Natal
No campo ou na cidade
Em casa ou na rua
À chuva ao calor
Ao frio num só desejo
É Natal
Reunião com a família
Ou sentado à beira do passeio
Iluminado pela luz do candeeiro
É Natal
Quando canta o galo
Quando nasce uma criança
Sem saber porque nasceu
Neste mundo traiçoeiro
É Natal
Em cada sorriso que lançamos
Às pessoas que não conhecemos
Mas que passamos a conhecer
É Natal
Em cada gesto de amor
Carinho e amizade
Mesmo que seja num só segundo
Para esquecer
É Natal
À porta de uma taverna
Em casa nos braços da amante
Que procura o calor para matar o frio
É Natal
Na prisão no hospital
Onde só há miséria
Que se transforma em desvario
É Natal
Em cada suspiro
Em cada palavra de conforto
Dita que seja uma só vez
É Natal
Quando o avozinho
Conta uma história
Ao seu neto irrequieto
Pela décima vez
É Natal
Quando diante do presépio
Vimos as figuras sagradas
Serem iguais aos olhos do mundo
É Natal
Sim. É Natal
Quando chega o mês de dezembro
E nos disfarçamos de bons
Num só segundo
É Natal
Sim. É Natal
Quando a nossa consciência acorda
E sonâmbula nos chama
À realidade
Antes de adormecermos novamente
E cairmos na lama.

© ARIEH NATSAC

domingo, 28 de novembro de 2021

NATAL


COROA de SONETOS NATAL


Autores: RAADOMINGOS, Ró Mar
e ARIEH NATSAC

Fotografia de Ró Mar


Soneto 18 de William Shakespeare


Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Às vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

William Shakespeare

* * * * *

NATAL 


I

"Meus versos vivos te farão viver"
E seres todos os dias celebrado
Como hino! O louvor p'lo renascer
Do coração de todo o humanizado.

Teu semblante é sonho a conquistar,
Neste descompassado casarão,
Onde o destempero se ousa embalar
Pela velha canção da eterna união!

A mão, que s' entrelaça numa flor,
Transparece o dia mais quente do ano -
Natal, sopra letrinhas com mui amor...

És estação do Sol no meu piano,
Que consoa no colorido do serão
"Se te comparo a um dia de verão"!

© Ró Mar 

*

II

"Se te comparo a um dia de verão"
Com mais calor humano que beleza
Vejo o mundo p’ra além da criação
Despertando na mais triste pobreza

Há olhos marejados sem ter pão
Olhando o firmamento sem ver nada
Julgando tudo, ser uma traição
Onde existe tanta face descorada

Paz podre num cabaz imaginário
E as doze badaladas no campanário
Recolhe-nos ao mundo bem pequeno

Natividade, Natal, papai noel
Não importa sequer a cor da pele
"És por certo mais belo e mais ameno."

© ARIEH NATSAC

*

III
 
"És por certo mais belo e mais ameno",
Se a Humanidade absorver o teu advento.
A graça está no simples, no sereno;
O presépio é luz, contentamento!

Louvado seja sempre o simbolismo
Que de esperança se vista o menino.
Não surja desta quadra consumismo;
"Navidad" é celebrar o divino!

Descalça as pantufas, calça o sapato;
Procura a celebração duradoura.
Busca o espírito e copia o retrato!

Quem não acolhe com fé a manjedoura
É ar que arreia o sentido cristão...
"O vento espalha as folhas pelo chão"!

© RAADOMINGOS

*

IV

"O vento espalha as folhas pelo chão"
E o céu ilumina o verde pinheiro,
Numa estrela maior, anil ascensão,
Que guia os passos dum sino caseiro;

Eis, que brota a inspiração verdadeira,
Os troncos revestidos de beleza!
Há cores, emoções e uma lareira
Acesa para aquecer qualquer mesa;

Há vida, cheiros de anciãs tradições
E o presépio com imagens divinas;
Em todas as casas há recordações!

Nas ruas há luz e também, tristes sinas,
Quem só tem a graça do "Nazareno"
"E o tempo do verão é bem pequeno"!

© Ró Mar 

*
 
V

“E o tempo de verão é bem pequeno”
Nada visto com quem nasceu no dia,
De Natal, luz de olhar meigo e sereno
Que iluminou o mundo em letargia

A pequenada não se vai conter
O brilho é demais no seu olhar
A história colorida do nascer
Até diferente quando o sol raiar

A pobreza o desnorte a solidão
De quem soluça lágrimas que vão
Decorando passeios de agonia

Passaporte sem festas, pesadelos
Nas calçadas são chãos de paralelos
“Às vezes brilha o sol em demasia”.

© ARIEH NATSAC

*

VI

"Às vezes brilha o Sol em demasia"
Para os que têm a barriga cheia!
Há tantos com ela meia vazia;
Mas, o que lhes importa a vida alheia?

Se a tal providência se encarregasse
De lhes dar o que ao faminto dá;
Quem sabe se também não lhes tocasse,
O que se passa do lado de cá!

Magoa a indiferença nesta data;
Chama que acendia sem combustão;
Dor agonizante que corrói e mata!

A luz que lhes aquece o coração;
Por vezes não suaviza a tristeza;
"Outras vezes desmaia com frieza"!

© RAADOMINGOS
 
*

VII

"Outras vezes desmaia com frieza"
No telhado do lúgubre casebre.
É o tempo que lhe inflige a dureza;
O mesmo, que taciturno a recebe!

Da molécula cristalina e pura
Tem medo que a casa, sua, lhe quebre!
Banham lágrimas a ingénua candura,
No rosto rosado cheio de febre!

Pede na natalina reflexão
Muito pão, uma vida bem melhor;
Sonhos que lhe ocorrem do coração!

Talvez alguém superior, maior,
O ouvisse e lhe trouxesse o que fugia;
"O que é belo declina num só dia"!

© RAADOMINGOS 
 
*

VIII

“O que é belo declina num só dia”
Depois vai-se começa a dura guerra
Do faz de conta obra que atrofia
As belezas já mortas nesta terra

Abrem-se tantos olhos macerados
Pelo poder faminto de quem ferra
Os dentes nos mais injustiçados
Mas, porém, nesta época se enterra

Nos louros doentios sem ter paz
Afogado em beleza de um cabaz
Posto na mesa como uma franqueza

Que se vai refletir naquela noite
Gelada e fria áspero açoite
“Na terna mutação da natureza”.
 
© ARIEH NATSAC
 
*

IX

“Na terna mutação da natureza"
Anunciando o dia da verdade
É dezembro aparece com certeza
Tempo novo uma nova claridade

Natal, dia risonho em cada rosto
O menino nasceu aja alegria
E para todo o mundo foi exposto
Perante o regozijo de Maria

Uma estrela no alto anunciou
Que nascera o rei e se tornou
Um sábio menino meigo e terno

Que teria uma vida atormentada
Enfrenta dolorosa caminhada
"Mas em ti o verão será eterno."

© ARIEH NATSAC

*

X

“Mas em ti o verão será eterno,”
Quando o homem quiser será melhor
E mesmo que se torne um subalterno
Dos seus dias que passam sem amor

Os fracassos ressaltam sem questão
Oriundo das guerras sem memória
Que passam lado a lado em confusão
E ao longo dos séculos sem glória

Tanto dia sombrio passei longe
Dessas multidões, feito um quase monge
Dizendo p’ra comigo o que farás

Perdido sem ver luzes só o escuro
Mas o tempo mudou, não esconjuro
“E a beleza que tens não perderás”.
 
© ARIEH NATSAC

*

XI

"A beleza que tens não perderás"!
Renova o teu interior, dá-te inteiro!
Se fores essa luz não morrerás!
Renascer é caminho verdadeiro!

Perdure no presente o mais fecundo
Sentido de fé, paz e compreensão!
Que cada um plante o melhor neste mundo;
Flores de princípios sem exceção.

Nascerá uma esplendorosa glória;
Amor fraterno, jardim colossal,
Doce corolário, feliz vitória!

Sublime seja o coro de Natal;
Uníssono! Se não soar ao inferno
"Nem chegarás da morte ao triste inverno"!

© RAADOMINGOS 

*

XII

"Nem chegarás da morte ao triste inverno,"
Para aquecer os pobres corações,
Se não cultivares o amor fraterno!
És Natalício se houver afeições!

Nestas alturas é que pensamos
No verdadeiro sentido da vida,
Pena nele não nos debruçarmos
No dia a dia, sararia muita ferida!

O planeta urge a tua real presença,
Agora e sempre, em ponto de igualdade
Para com todos, na saúde e na doença!

Na alegria e tristeza és celebridade!
Na nossa terra (tua) (re)nascerás,
"Nestas linhas com o tempo crescerás."

© Ró Mar
 
*

XIII

"Nestas linhas com o tempo crescerás"
E os sinos celebrarão em alegria;
Repicarão em sintonia voraz,
Acentuando na história este dia!

Entoarão ao mundo o nascimento
Cantando em dobre toda sua glória;
O quão notório é o sentimento;
Que profundo viva em nossa memória!

Nascer para viver em padecimento,
Quando creio que na morte viverás;
É difícil o nosso entendimento!

Mas veio ao mundo por nós! Salvarás!
E agora? Interrogo-me a sofrer;
"E enquanto nesta terra houver um ser"?

© RAADOMINGOS

  *

XIV

"E, enquanto nesta terra houver um ser"
À tua semelhança haverá guarida
P'ra procriar e esperança de viver
Numa natureza de terra erguida!

Ah, estrela guia, que a tua luz não se apague
Antes de encaminhar todo o rebanho!
Neste labirinto de ziguezague
Havemos de encontrar a paz e o ganho!

Alvissaras! Nasceu o Jesus Menino!
E, o dia faz-se o mais bonito do ano,
 Tocam sinos em duo de violino...

Prenúncio afinado do meu piano,
Clave de Sol, por no "Salvador" crer!
“Meus versos vivos te farão viver.”

© Ró Mar 

*

COROA de SONETOS NATAL

Autores: RAADOMINGOS, Ró Mar
e ARIEH NATSAC

*

Sonetos do Universo | 2021

INSTRUÇÃO PRIMÁRIA




INSTRUÇÃO PRIMÁRIA


Fui criança inculta, iletrada, inocente,
Como toda a gente vinda de nascer,
Mas logo ao crescer já era dif’rente,
Tinha pela frente tudo p’rá aprender!

Em casa reter tudo ordeiramente,
E educadamente na escola saber,
As contas e o ler já correctamente,
Sendo realmente um ás a escrever!

A ler e em ditados tinha em todos zero,
Vaidoso do esmero tinha mordomias,
Pois todos os dias na aula coopero!

Ditando o que quero com autonomias,
E sem demagogias hoje considero,
Sem ser exagero foram áureos dias!...

J. M. Cabrita Neves | 2021

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

"A CRIANÇA..."


COROA de SONETOS "A CRIANÇA..."


Autores: ARIEH NATSAC, Ró Mar e RAADOMINGOS

 


A criança que fui chora na estrada.

 de Fernando Pessoa


A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa

*****

"A CRIANÇA..."


I

 "A criança que fui chora na estrada,"
Descolorida por via d' incompreensão,
Por colo, histórias ou contos de fada,
Enfim, por afagos de coração!

Tantos momentos por viver! O senão
Por adiante, o universo de tanto e nada,
Onde não há lugares d' eleição,
Viagem que se prossegue encavacada!

Ah, hoje sinto um pesar de crescer 
De não me ter despedido, do sobrevoo,
Do que ainda poderia ter d' aprender!

Continuo! Pois, o tempo dela acabou,
Foi o pai e a mãe, sem ninguém par' a proteger!
"Deixei-a ali quando vim ser quem sou."

© Ró Mar
 
*

II

"Deixei-a ali quando vim ser quem sou";
Tarde cheguei, partiu, foi-se embora.
Só encontrei a sombra do que lhe restou,
Até o que ficou dissipou-se na hora.

A inocência, a que por ora ainda chora;
Culpa p'lo que cedo nela embrenhou!
Naquela esquina, sem muita demora
A rua fez sina, que sorte lhe calhou!

Até que não foi tão trágico assim!
Houve outros momentos, que acompanhada
Me senti a mais bela flor do jardim!

Entretanto, nas voltas da vida deixada,
Ergo os cacos, construo o meu botequim,
"Mas hoje, vendo que o que sou é nada."

© RAADOMINGOS

*

III

 
"Mas hoje, vendo que o que sou é nada,"
Porque é que tanto construi e amealhei;
Se o que se leva para a outra morada,
É só o que desta vida gozei?

Tarde, já tarde aprendi e agora sei;
Não vale caminhar em outra estrada;
Fosse antes quando nasci e me criei;
Seria diferente a minha passada!

Viveria, a existência seria d' outra forma.
Daria amor, que não soube por onde andou!
Usaria o coração como plataforma.

Se concederem tempo ao corpo que restou,
O homem que em criança agora o transforma;
"Quero ir buscar quem fui onde ficou"!

© RAADOMINGOS

  *

IV 

"Quero ir buscar quem fui onde ficou"
Vestida de cinzento em tom raiado
Trazendo no seu manto o que levou
Lampejo que apagou céu estrelado

Mostrando a virtude que deu flor
Raios de encantamento desbravado
Hossana por se achar o vencedor
De tudo que alcançou e foi criado

Quando em presença estou; de fino oiro
Converte a natureza num tesoiro
Que nem a tirania sublevou…

Salta e pula risonha uma criança
Esquece a tempestade e vê bonança
"Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou"

© ARIEH NATSAC

*

V

"Ah como hei-de encontrá-lo. Quem errou"?
Perdido sem saber qual o caminho
Fruta amarga, semente, desfrutou
Agora vai debicando, mas sozinho

De asa ferida envolta em mistério
Como um livro que não tem e se aguda
Na paisagem p’ra lá do ser etéreo
Que tanta, tanta vida nos desnuda

Nas passadas pisadas ao relento
Que a noite é sombria onde esquento
O corpo que se levanta sem ter nada

Na nevoa lisonjeira que trespassa
Sem ter espada sem haver mordaça
"A vinda tem a regressão errada."

© ARIEH NATSAC

*

VI

"A vida tem a regressão errada"
Já nunca poderei voltar atrás
Sendo aquela criança transviada
Que mantinha por lema, bom rapaz

Era azougado e grande folião
Das horas destemidas sem segundos
Saltava tanto abismo à condição
Percorrendo os lugares mais profundos

Contra as hostilidades de uma vida
Que lhe foi à nascença prometida
Mas que tão depressa aproveitou

Para fazer o prumo da idade
Rumando sem conceito da verdade
"Já não sei de onde vim nem onde estou".

© ARIEH NATSAC

*

VII

 "Já não sei de onde vim nem onde estou,"
Na ausência desmedida espero o sossego
Do meu desassossego, sei que sou
Parte dum tempo de pouco aconchego!

S' ao menos encontrasse o desapego
Ao que já não é, nos meandros do que sou!
No silêncio ensurdecedor a que chego,
A pausa merecida, meu ofego dou!

Ah, era meio caminho par' a claridade
Desta minha existência conturbada,
Por tal escassez de infância e puberdade!
 
E, se soubesse encontrar uma pousada
De bússola pronta, achar-me-ia na idade!
"De o não saber, minha alma está parada."

© Ró Mar 
 
*

VIII

"De o não saber, minha alma está parada."
Perdida no sossego da razão
Que a leva com saudade de ser nada
Solta faz-lhe sangrar seu coração

Caminho no restolho em muita vida
Pássaro procurando o seu raminho
Da mocidade já muito sumida
Que ao longe vai e acena de mansinho

No escuro calendário sem ter folhas
Reserva de atitude de recolhas
São tantas as vontades de voltar

Com sorte do princípio, tanto queria
Tudo e nada não sei perguntaria?
"Se ao menos atingir neste lugar"

© ARIEH NATSAC

*

IX

  “Se ao menos atingir neste lugar”
Serei tanto feliz como criança
E não vou p’ra ninguém localizar
O sintoma que tem a dor da esperança

É um barril de pólvora a pobreza
Que mata lentamente sem receio
Perdendo a confiança de uma mesa
Sendo pobre palavra desse meio

Na barrela dos olhos vejo aceso
O fogo que arde sem um contrapeso
Sem fazer desta vida um tal festim

Onde se roem ossos sem ter carne
Será onde não há quem encarne
“Um alto monte de onde possa enfim”

© ARIEH NATSAC

*

X

 "Um alto monte, de onde possa enfim"
Descansar, olhando o céu por horizonte,
Que me é íntimo! Sentir-me-ei querubim
A renascer das raízes em pura fonte!

Lá do alto, olharei por todos aqueles,
Que como eu ficaram, enquanto crianças,
A olhar estrelas! O que é feito deles?
Será que ainda vivem nas esperanças?

Os que jogavam ao balão na praça
Eram amigos á séria e é de recordar
O pé descalço e a mão numa carcaça! 

Ah, hoje o meu destino fez-me parar
E ver aquele tempo de (des)graça!
"O que esqueci, olhando-o, relembrar"!

© Ró Mar 

*

XI

"O que esqueci, olhando-o, relembrar,"
O bocado da serra manto frio
Perdi naquele tempo meu olhar
Na delícia presente, desvario

E a pobre gente avança sem ter medo
Como se uma criança fosse ao tempo
Na imensidão joga com segredo
Que brota do seu corpo sem lamento

Esta pequena figura é um homem
Que brota desta terra feita mãe
Que ensinando sem livros sendo assim

Rasgando-lhe a pele abrindo a dor
Com palmos a crescer o seu valor
"Na ausência, ao menos, saberei de mim"

© ARIEH NATSAC

*
 
XII

"Na ausência, ao menos, saberei de mim,"
Astrolábio dos meus sentidos mediando,
Tal Pessoa, altura mediana; meu latim,
Que nem eu compreendo, vou arquitetando!

Poucas filosofias, que a vida é barata
E as letras saem-me caras; ainda lembro
D' escrever umas palavras em cascata
Na lousa carcomida, não era dezembro!

Ah, hoje é tudo fino e eu desatino!
Não que não tenha tino, mas, se vou julgar
O que sou não envergonho o menino...

Do qual estou equidistante a procurar
P'lo verbo qu' abrilhante o destino;
"E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar."

© Ró Mar

*

XIII

"E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar"
Tudo o que vale a pena em toda a criança,
Que tal como eu não pôde celebrar;
Quiçá, mudar de pensar, autoconfiança!
 
    Ah, que tolice! Eu, a pensar em mudar
Toda aquela existência, análoga à minha,
Num tempo que me foge! Teimo em viajar
E encontrar o melhor de mim na estrelinha!

E, enquanto a comtemplo sinto, o paraíso!
Quaisquer cousa, nem sei bem o quê? Enfim,
A idade é minha e eu menino de juízo!

Parece amanhecer, cheirinho a alecrim,
Outro dia a inaugurar o sorriso
 "Em mim, um pouco de quando era assim."

© Ró Mar 

*

XIV

"Em mim um pouco de quando era assim"
Deixando tanta e impressa a saudade;
Na zoada que o vento faz, enfim;
Escuto o frescor da ida mocidade.

Pudesse encontrar-me - Piedade!
Oh vida, que subiria outro patim!
A criança some-se com a idade;
A percepção que chega é a do fim!

Em registo desbotado dum desenho;
Ecos áureos da verde gargalhada,
P'las nesgas frestas julgo qu' a detenho!

Agora que a reclamo não encontro nada;
As lágrimas pela face não as contenho,
"A criança que fui chora na estrada."

© RAADOMINGOS
 
*

COROA de SONETOS "A CRIANÇA..."

Autores: ARIEH NATSAC, Ró Mar e RAADOMINGOS

*

Sonetos do Universo | 2021

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

LISBOA NÃO TEM SÓ TEJO…


Fotografia de Ró Mar


LISBOA NÃO TEM SÓ TEJO…


Lisboa não tem só Tejo
Nem os santos populares
Há também outros festejos
E turistas a passar

Lisboa não tem só gaivotas
Pombos voam nas vielas
Onde desfilam garotas
Como sendo caravelas

Passam nelas tanta sombra
Em noturnas procissões
Quando aparece a penumbra
Enlouquecem-se as paixões

Muitos poetas deram brado
Entre portas fora de horas
Na nostalgia de um fado
Até ao romper de auroras

Com mistérios de outras eras
Difíceis de desvendar
Foram loucas primaveras
Passadas no alto mar

Lisboa tem sua sina
Que lhe marcou a matriz
E cresceu como menina
Rainha deste país.

© ARIEH NATSAC


terça-feira, 23 de novembro de 2021

OS INDESEJADOS




OS INDESEJADOS


Sem ser desejados um dia nasceram
E além de uns trapinhos cobrindo a nudez,
Abraços, carinhos de ninguém tiveram,
Sorrisos alegres jamais conheceram,
Mas antes maus tratos de vil malvadez!

Sempre de olhar triste esperando o pior,
Na sua inocência, sem compreender,
Donde vinha a raiva que causava a dor
E sem conhecerem a palavra amor,
Talvez pensariam ser normal sofrer!

Cresciam sem berço, sem qualquer ternura,
Aos tombos aos gritos de tudo culpados,
Ficavam confusos na sua candura,
Em que os pensamentos eram de amargura,
Sem saber que haviam outros bem amados!

Magros e franzinos agora na escola,
Não se misturavam com outros colegas,
Que alegres jogavam no recreio à bola,
Ficando nos cantos como quem se isola,
No seu mundo adverso de tristezas megas!

Já com raciocínio sentiam agora,
Ao ver os carinhos de outros pais e mães,
Que na sua casa e a toda a hora,
Se discute e bate em acção castradora,
Como se eles fossem uns vadios cães…

Sentindo a revolta de injustas tareias,
Que se avolumavam num silêncio atroz,
No choro abafado, nas razões alheias,
Nas marcas deixadas por cintos, correias,
Nas súplicas várias de embargada voz!

Assim se moldou a personalidade,
De homens e mulheres e dos seus destinos,
Engrossando a bruta criminalidade,
De abusos, violências e toda a maldade,
Porque maltratados quando eram meninos…

Sem ser desejados com carinho e amor,
Nascem condenados ao total desprezo,
Por irresponsáveis, sem qualquer pudor,
Em deixar que nasça mais um sofredor,
Um indesejado mártir indefeso…

Os pais que assim agem, quem sabe sofreram,
Na pele os maus tratos porque indesejados,
Sentindo a revolta contra os que lhe deram,
A vida e a porrada desde que nasceram,
Vingando-se agora nos pobres coitados!

Os filhos são bênçãos, são raios de luz,
Que os lares inundam de imensa alegria,
Não devem ser fardos, muito menos cruz,
Se há um ser humano que se reproduz,
Deve ser em festa que tal se anuncia!

É um bebé que chega, frágil, inocente,
Precisa leitinho, papas e ternura,
Precisa cuidados, amor permanente,
Do pai e da mãe e de toda a gente,
Mas nunca ser alvo de qualquer tortura!...

É portanto urgente melhorar o mundo,
Educar o povo inda mal formado,
Dando à violência sempre um não rotundo,
Ensinar o amor do coração oriundo,
Mostrando o calor de um abraço apertado!...

© J. M. Cabrita Neves | 11/ 2021

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

LISBOA, MEU BERÇO, MEU MAR.




LISBOA, MEU BERÇO, MEU MAR.


Menina, mulher, canção
Do dia, noite de sonhar;
Colar rente ao coração.
Lisboa, meu berço, meu mar.

Histórias, lendas e contos
Por viver e por contar,
Quase sempre prontos.
Lisboa, meu berço, meu mar.

Menina de sete saias,
Tuas colinas d' encantar,
Por olhar as belas praias.
Lisboa, meu berço, meu mar.

Minha pátria, una canção,
Por feito de namorar
O Tejo em toda a extensão.
Lisboa, meu berço, meu mar.

Mar e Mar. Não há terra igual
P'ra nascer, viver e amar,
Que a capital de Portugal.
Lisboa, meu berço, meu mar.

© Ró Mar | 11/ 2021

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

VIAGEM AO PASSADO




VIAGEM AO PASSADO


Linda casa térrea de branco caiada,
Com azul na faixa toda em rodapé,
Dois quartos e a sala meia mobilada,
Ao lado a cozinha e a porta de entrada,
Com “mochos” e bancos junto à chaminé!

Nos dias de inverno nevava ou chovia,
Não se trabalhava como de costume,
No telhado entrava uma aragem bem fria,
Porém na lareira o madeiro ardia
E a família inteira circundava o lume!

De barro a panela contendo o almoço,
Também já fervia exalando aromas,
A couve e as batatas e a carne com osso,
Muito pouca carne, lembro-me era moço,
Qual colesterol? - Nem sequer sintomas!

Lá fora na horta tudo germinava,
Ao sabor do tempo na estrumada terra,
Negra criadora como mãe cuidava,
De acolher sementes que depois gerava,
Com o sol e a água que o percurso encerra!

Batatas, cebolas, alhos e pimentos,
Feijão verde, alfaces, nabos e cenouras,
Tomates pepinos e outros alimentos,
Melões, melancias, capam-se os rebentos,
Para dar mais força nas frutas vindouras!

Mas também na horta crescia a cidreira,
Erva S. Roberto, malvas, doce lima,
Que tudo tratavam até catarreira,
Qual médico atento mesma à nossa beira,
Que ao deitar bebido logo reanima!

Também importante, era o limoeiro,
Que as folhas em chá e raspas de limão,
Com mel e bem quente, manda o curandeiro,
Que bem se agasalhe na cama primeiro,
Para ver curada essa constipação!

Para além da horta, se estendia a quinta,
Com as laranjeiras, pereiras, pereiros
E outras mais fruteiras mais de cento e trinta,
Que a minha memória não deixa que minta,
Como era gostoso ver os pessegueiros!

As parreiras altas fazendo latadas,
Em túnel deixando passarmos por baixo,
Era uma beleza vermos penduradas,
As uvas mais doces e de cores douradas,
Tão apetecíveis em forma de cacho!

Sem esquecer é claro das já centenárias,
Belas oliveiras de verde vestidas,
De azeitonas cheias, qualidades várias,
Enchendo de azeite muitas luminárias,
Temperando sempre todas as comidas!

Nesta bela quinta também existiam,
Um porco, uma vaca, coelhos, galinhas,
Um burro com força de que se serviam,
P’ra lavrar a terra e também conciliam,
Puxando a carroça bem cheia de ervinhas!

De nome Bonita dava p’la manhã,
P’ra toda a família e até p’ra vender,
Pois em quantidade, era campeã,
Saboroso leite de que eu era fã,
E até a manteiga aprendi a fazer!

Um cruel destino pr’ó porco coitado,
Depois de estar gordo findava a alegria,
Sendo repartido e muito bem salgado,
Numa salgadeira era conservado,
Como uma reserva para o dia-a-dia!

Galinhas, coelhos, também se vendiam,
Alguns, que não todos, eram reservados
E em dias de festa também se comiam,
Pois quem os criava decerto mereciam,
Provar tais petiscos à solta criados!

Tinha dez mil metros a quinta em questão,
Dois poços um tanque e às vezes piscina,
Porque no Alentejo é bem quente o V’rão,
Pr’á alourar o trigo que vai fazer pão,
E onde a vida passa calma e paulatina!

Tudo isto foi lindo, tudo isto existiu,
Até ao momento que a negra ceifeira,
Partiu com as vidas deixando um vazio,
Na quinta que agora nos causa arrepio,
Sem ver sobreviva uma laranjeira!

Tudo o que era verde, secou e morreu!
Caiu o telhado da casa que o era!
As silvas chamaram ao terreno seu
E a velhinha quinta desapareceu,
Como se o passado fosse uma quimera!...

© J. M. Cabrita Neves | 11/2021

* “mochos”- bancos em madeira com o assento em palma ou junco.

VAMOS CONVIDAR OS RICOS




VAMOS CONVIDAR OS RICOS


“No Dia Mundial dos Pobres”


Vamos convidar os ricos
A deixar palácios e manjares
A vestir andrajos populares
E ficar no passeio da cidade
A estender sem nojo
A mão à caridade ...

Vamos convidar os ricos
Vamos todos para a rua
Mendigar por um só dia.
Vamos provar das migalhas
Que os pobres agradecem
A sorrir com alegria!

Vamos convidar os ricos
A viver mais perto da pobreza
A dormir no chão, na aspereza,
E beijar com amor o duro pão
Agradecer até
A água que nos dão ...

Vamos convidar os ricos
A sentir o frio dos relentos
A curtir as carnes com os ventos
E seguir a poeira dos caminhos
A palmilhar calados
As pedras, os espinhos ...

Vamos convidar os ricos
A serem eles mesmos outros pobres
Sem nunca deixarem de ser nobres
E pensar que sob esses trapos reles
A mendigar existem
Homens como eles ...

© Miguel Cadavadas
 
Música de Frassino Machado
In MENSAGEIRO CANTANTE

terça-feira, 16 de novembro de 2021

ERA O MENINO JESUS!


Fotografia de Ró Mar


ERA O MENINO JESUS!


Por todo o Novembro, aparecia ouro de luz
Por um destino e a cruz, sinal dum dezembro
Vindouro, outro membro - era o Menino Jesus
A nascer, se traduz por Natal, que lembro!

Cada canto um cembro ornamentado de luz,
A esperar por Jesus, a inaugurar dezembro,
Que aquecia novembro no animado da luz!
E, também reproduz o Natal, que lembro!

Cada lar um cembro e o presépio feliz,
Por ocasião condiz com o mês de dezembro!
E, se bem me lembro, tinha estrela petiz!

Cada gesto tinha raiz na terra de dezembro,
Por haver um cembro por todo o que o quis!
E, nascer o petiz, o Natal, que lembro!

© Ró Mar | 11/ 2021


AINDA SOU DO TEMPO…




AINDA SOU DO TEMPO…


Ainda sou do tempo das carroças,
De andar de bicicleta ou a “calcantes”,
Já que as posses não eram abundantes,
Dizia-se: “Se jantas não almoças!”

Sim, hoje é bem melhor do que era antes,
Sendo as habitações humildes choças,
Se atentos hoje olharmos para as nossas,
Vemos que as outras eram humilhantes!

Entre os pobres, alguns remediados,
Conseguiam esticar os ordenados,
Para ter que vestir e pão na mesa!

Os ricos tal como hoje, eram forretas,
Não davam nada aos pobres, nem gorjetas,
Mas morriam também, tenho a certeza!...

J.M. Cabrita Neves | 11/2021

* “a calcantes” – a pé.

É SEMPRE NATAL ...




 É SEMPRE NATAL …


Nasceu o menino, em berço normal
O pai está feliz, o que é natural

A mãe acaricia-o, e dá-lhe muitos beijos
Não há burro nem vaca, somente desejos

Os anjos reguilas correm, felizes pela casa
Sem terem medo de cair, e partir uma asa

Chegam os padrinhos, com muitos presentes
Parecem reis magos, como estão contentes

Tudo é alegria, só o menino chora
Num berço lavado, mas sem manjedoura

As estrelas brilham, em cada sorriso
E tudo parece, o divino paraíso

Também os vizinhos, vêm ver o menino
Tal como o sagrado, é tão pequenino

De todos os lados, com prendas e flores
Adoram-no, como se fossem pastores

Neste presépio, o menino é diferente
Pois aqui é Natal, mas com outra gente

Quando um menino nasce, haja o que houver
É sempre Natal, quando um homem quiser.

© ARIEH NATSAC | 2021



domingo, 14 de novembro de 2021

A ESTRELA DE BELÉM




A ESTRELA DE BELÉM


(Ciclo de Natal)


I
Da Nazaré a Belém
Viajou José, Maria,
E o burro, que poupou a cria,
Levando a Virgem além!
Ao chegarem a Belém,
Não tendo onde pernoitar,
No estábulo p'ra abrigar
Se consolaram, do inverno
Se fez paz no lar fraterno
E dezembro sorria ao luar!

II
Sacra cidade de Belém
À luz de Virgem Maria,
Que dava luz de alegria,
Na manjedoura! Mas, quem?
O berço de muito alguém,
Tão alguém, que vinha salvar
O mundo! Hora de embalar
O Menino Jesus, eterno
Divino, nascia no inverno,
P'ra a todos acalentar!

III
Desde então, constrói-se
O presépio em todo o lar
Similar a esse lugar
Digno do herói, adora-se!
E, o Natal comemora-se
A vinte e cinco do ultimo
Mês do ano, num animo
Místico e de calor humano,
Por nascer o soberano,
Que merece mui mimo!

IV
Há também o pinheiro!
Árvore de Natal, "terno"
Como símbolo do inverno,
De cheirinho caseiro
E de ar milagreiro
Representando a sagrada
Família, que é adornada;
Mas, o melhor que tem
É a Estrela de Belém;
Há velas para a consoada!

V
A Estrela de Belém
É o símbolo do ciclo
De Natal! E, de triciclo,
A pé, de carro ou trem
Todos vêm também!
A época é festiva
E a tradição se cultiva
Porque nasceu Jesus
Cristo, renasceu da cruz
P'ra que a lenda seja viva!

VI
Nasce Jesus Cristo
O salvador do mundo,
E a luz nesse segundo
Abre caminho, registo
P'ra que cheguem a Cristo!
Estrela-guia luzidia,
Que à chegada idolatria;
Os primeiros a chegar,
Os três Reis Magos: Gaspar,
Baltasar, Melchior! Ah, dia!

VII
Cristo! Oferenda de incenso
Mirra, ouro e o universo
Da música e do verso;
Tradição de consenso,
Que faz o dia mais intenso!
A partir daí passou a ser
Habitual algo oferecer
Até o ciclo fechar,
Dia seis do ano por chegar
Dos Reis Magos há de ser!

VIII
A Estrela de Belém
Brilhará e de verdade,
Louvará a natalidade
Em Belém e mais além!
Há sempre bolo que tem
Coroa de Reis e iguarias
Da época de Messias!
E, dia seis de Janeiro,
Dos Reis Magos, festeiro,
Finda o ciclo em cortesias!

© Ró Mar | 2021