COROA de SONETOS: O FADO
Autores: RAADOMINGOS e Ró Mar
O FADO
I
A saudade patente bem vincada,
Quando nas tascas do fado vadio;
Cordas das gargantas em desafio
Cantavam em bonita desgarrada.
A guitarra antes forte dedilhada
Carpe presente um outro trino frio;
Sente a falta do portentoso brio
Da Severa cantora e camarada.
Amores antigos por si cantados,
Fenecem nas notas de tanto dó
Em escalas de muitos condados.
Seu corpo dorido desfeito e só
Aos poucos tem os dias contados;
Se não se desfizer da sina o nó!
© RAADOMINGOS
*
II
"Se não se desfizer da sina o nó"
Marinheiro que atracou cantadeiras
Ao velho veleiro com brincadeiras,
Boémia e poesia não te sentirás só!
Foram décadas por terra além-mar
Exibindo o peito, espontaneidades
Exorcizando tristeza e saudades
Retratando o quotidiano popular.
Sal que o transformou na mais pura e nobre
Canção, que a todos enche o coração;
Trinado p'lo contemporâneo pobre
E também p'lo rico com precisão!
Que faz com que a poesia se desdobre
P´lo acorde fazendo do fado nação.
© Ró Mar
*
III
"P'lo acorde fazendo do fado nação"
Com viola e guitarra portuguesa
Meia dúzia de pessoas à mesa,
Fica composta a área do salão.
Velas, caldo verde, chouriço e pão,
Abrandam do peito certa tristeza,
Contrastando com a enorme beleza,
Da voz que sabe tão bem o refrão.
Estribilho qu' emociona e arrepia,
Que se entranha bem fundo e s' espalma
P'la ligação que se dá e se cria.
Não se explica como é qu' ela calma,
Mas o certo é que é terapia;
Que vai deixando mais solta e leve a alma.
© RAADOMINGOS
*
IV
"Que vai deixando mais solta e leve a alma"
E o coração apaixonado ao vozeirão
Espelhando os Senhores da criação
Com o imponente brio de vénia e palma.
Nas ruas e vielas, botecos e outros
A gíria fez bairros carismáticos,
Que por nobres infaustos e críticos
Fez do fado ocioso o oficio doutros.
Na festa carnavalesca a essência
D' alma à letra e o vinho português,
Que sempre foi bom por excelência!
Levou-o das ruas ao teatro, ao burguês,
Que à boca cheia lhe deu consistência
P´la valia das precisões do freguês.
© Ró Mar
*
V
"P'la valia das precisões do freguês"
Tratam os agora pelas palminhas;
Ver se das frestas das velhas tabuinhas
Cresce outro tipo d' entalhes e quês.
Dos anos passados e dos porquês...
Coitada da animada Mariquinhas
Se em troca das habituais prendinhas
Os mariolas trouxessem bouquês.
O consagrado agora é mais brilhante
Há novo estofo outro tipo de mobília
Um património bem mais interessante.
Notáveis serões de aprazível vigília;
De um convívio salutar, apaixonante
Onde se juntam como sendo família.
© RAADOMINGOS
*
VI
"Onde se juntam como sendo família"
Partilhando o social e cultural
Na amena cavaqueira, musical
De cordas afinadas na voz da Ercília;
A "Santa do Fado", atriz de revista,
Que a voz elevou a internacional
Através de discos, rádio local
E digressões por fora, grande artista!
Por terras de França, América e Brasil
Acompanhada de ilustres guitarristas,
Armandinho e Raul Nery, mostrou o brio.
Das casas de fado ao teatro fez conquistas;
Da sétima arte à rádio o fado vadio
Volveu o palco do mundo, deu nas vistas!
© Ró Mar
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VII
"Volveu o palco do mundo, deu nas vistas"
E pautou história. O fado "clássico"
Fez do triste viver do povo icónico
E em simbiose com o romantismo "cristas".
A exibição em salões da aristocracia
Fez com que ele se tornasse a expressão
Musical portuguesa de tradição
Retratando a saudade, o ciúme e a nostalgia.
Muitos foram os que lhe deram voz
De notar Hermínia Silva, que fez oficio
E nome ao fado "musicado" de todos nós;
Lucília do Carmo, F. Maurício
Entre outros... é de enobrecer a voz
De Alfredo Marceneiro, o patrício.
© Ró Mar
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VIII
"De Alfredo Marceneiro, o patrício,"
Que deu voz à canção e seu glamour,
Vestido a preceito, letra de 'amour'
P'la arte assinada em nome fictício.
Sobe ao palco do Coliseu dos Recreios
Com a Opereta "História do Fado",
Beatriz Costa e Vasco Santana ao lado
Do mestre dos auspiciosos gorjeios.
O nosso "Fabuloso Marceneiro"
Foi a voz da Valentim de Carvalho
E toda a sua vida foi marceneiro;
De boina e lenço de seda, dava valho,
"Ti’ Alfredo" tinha estilo de obreiro,
De mãos nos bolsos saía o fado 'agasalho'.
© Ró Mar
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IX
"De mãos nos bolsos saía o fado 'agasalho'"
E de xaile negro vibrava a eximia
Voz de Amália Rodrigues, idolatria
Duma cultura, abertura de atalho...
Considerada a "Rainha do Fado"
E amada por todos, levou a canção
Do seu povo com alma além do coração
Elevando-a como "poesia do fado".
Graças à 'Diva' o 'tradicional' consolida,
Ícone da cultura nacional,
Êxito internacional, canção querida.
Com Amália a Catedral de Portugal,
O apogeu do fado moderno na lida
Do grã Camões e outros, monumental!
© Ró Mar
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X
"Do grã Camões e outros, monumental!"
Tanto é o que traduzo em arrepio
P'la sua voz "Povo que lavas no rio",
Relembrar é de jus e fundamental!
Letra nesta época transcendental,
Que só a entrega e genuíno brio
Da nossa distinta Dama ouro-fio
Lhe confere autenticidade sem igual.
Grande responsável e com amor
Que de si a admiração era devota
Temos também o Alan, compositor.
Registo d' entre tantas a "Gaivota",
A "Estranha forma de vida" e "Lianor"
Grandes composições do poliglota.
© RAADOMINGOS
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XI
"Grandes composições do poliglota"
Abriram no horizonte outra janela
E de braço dado a fadista e a Estrela,
Embarcaram na aventura patriota.
Seguir a Rainha tudo se atenta e nota;
Muito se admira a compleição,
Se se comporta na perfeição,
Se o vestido é feio ou janota!
Mas, isso pouco lhe interessa qu' aconteça
Fecha os olhos e sente a canção
Com um ligeiro inclinar de cabeça!
Comove-se como se em oração
Rezasse pedindo a Deus, que depressa
Lhe acabe com tamanha solidão!
© RAADOMINGOS
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XII
"Lhe acabe com tamanha solidão!"
É palavra d' ordem no Faia, Bairro Alto;
Retiro d' artistas, gabarito lauto;
Carlos do Carmo como anfitrião!
Tantos conduziu pela sua mão;
Lenita, Tarouca, Maria da Fé...
Agora, Moura, Mariza, Camané
E tantos outros desta geração!
Sons que trazem novos andamentos
E glórias, como Dulce Pontes e a assaz
"Canção do Mar" entre outros êxitos;
Especiais no moderno que se faz
Portadoras de novos sentimentos;
Dão ao futuro um excelente cartaz!
© RAADOMINGOS
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XIII
"Dão ao futuro um excelente cartaz!"
Orgulho sabê-las transpor fronteiras;
Não sendo das afamadas primeiras,
São as que presentemente a plateia apraz!
Junto ao Olympia, Paris a passar,
Ver no néon quem são os da atuação
Não há no íntimo maior comoção
Do que ler o que está a publicitar!
Ter no palco uma bandeira içada,
Repovoar novamente a memória
Saber ser nossa verde e encarnada;
É degustação de uma doce vitória
Que jamais por todos será apagada
Dos arquivos da Lusitânia história!
© RAADOMINGOS
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XIV
"Dos arquivos da Lusitânia história"
Recordamos dois séculos de cultura
Popular, a arte do fado e sua postura
Mundialmente, os momentos de glória.
Através do espólio dos grandes do fado
E de memórias doutros conflui a grandeza
Da canção lisboeta e guitarra portuguesa,
Dos bairros típicos... Uno Museu do Fado.
A velha e eterna tradição que fruamos
Nas Casas de Fado, a anciã pisada
De arte e talento, que sempre recriamos;
E na Casa de Amália sentimos vida,
Memorizamos sensações, miramos
"A saudade patente bem vincada."
© Ró Mar
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Sonetos do Universo | 02/ 2022