segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

TEMPO DE MEMÓRIAS




TEMPO DE MEMÓRIAS


Lembro-me desse tempo em que os olhos brilhavam de feliz contemplação. Participar envolvido no momento, era uma guloseima que se sorvia até à mais pequena partícula de sabor.
«-Este ano ficas encarregue de encontrar um pinheiro.»
Esta fora a incumbência que fizera insuflar de importância o meu peito franzino, na vivacidade dos apressados dez anos.
Não era pela dificuldade da tarefa, para quem vivia rodeado de montes vestidos de vegetação em alegre convívio com a Natureza. Era imperativo sim, encontrar um exemplar, que pela forma e dimensão estivesse à altura das circunstâncias.
Tarefa concluída, a missão seguinte era encontrar musgo vistoso e bem atapeado. Conhecia os locais certos onde crescia mais vigoroso, por entre a folhagem, ao abrigo das copas dos sobreiros.
Pensava para comigo, que se queremos trazer a Natureza para dentro de casa, devemos procurar retratá-la com a maior fidelidade possível.
E colocava os tufos verdes rectangulares, em camadas numa cesta, que transportava alegremente de regresso a casa.
Chegara finalmente o aguardado momento de dar forma ao presépio.
Fixava-se o pinheiro a uma base sólida, que se disfarçava com o musgo. Este servia também para ornamentar o estábulo improvisado em madeira, e o seu telhado côncavo feito de cortiça.
A forma parcimoniosa como se dependuravam nos verdes ramos as bolas vermelhas, verdes e azuis, fazia parte de um cuidado ritual por diversas vezes contemplado, até ser aprovado pelo olhar.
Um enfeite dourado envolvia o pinheiro em fraternais e circulares abraços, encimado pela estrela guia prateada.
Dentro de uma caixinha, guardados do ano anterior, estavam os impacientes personagens que ansiavam por dar mais vida ao presépio.
O Menino nas palhinhas em sua manjedoura, os protectores Maria e José, a pacífica vaquinha, o humilde burrinho e as obedientes ovelhinhas. Os três reis magos completavam o rol dos participantes na Boa Nova.
E decorriam ansiosos dias até à véspera de Natal.
Jantar da consoada em família. 
Os sapatinhos já colocados estrategicamente no canto da chaminé. Era imperativo deitar cedo para cair nas boas graças daquele simpático velhinho de compridas barbas brancas.
Era uma noite de escasso sono, em que os pensamentos assaltavam a mente em turbilhão, ansiando a chegada do despontar do desejado dia.
No escuro do quarto, a mente vigilante permanecia atenta a qualquer ruído que pudesse ser perceptível.
Ainda faltaria muito para que a nossa casa fosse contemplada com uma visita?
Com que poderes especiais o Pai Natal desceria pela chaminé com o seu saco, e deixaria o testemunho da sua passagem sob a forma de um presente?
Será que tinha visto os sapatinhos e estaria agora a pendurar na árvore um sino, um coelhinho, ou a sua figura em forma de chocolate?
Pensava já na forma cuidada como iria desembrulhar os que me caberiam em sorte, alisando bem a prata que seria colocada no interior de um livro para não se danificar.
Mal teria conciliado o sono, quando acordei com um ligeiro ruído vindo da cozinha. O inconfundível aroma a café já se fazia sentir no ar.
Levantei-me da cama de um salto!
«-A sua bênção meu pai! A sua bênção minha mãe!»
E precipitava-me em direcção à chaminé…

Tão simples pode ser a matéria com que ornamentamos os sonhos.

© Antero Jerónimo