NATAL NOVELA,
Jesus versus Pai Noel
“Natal de 2015”
À entrada do hipermercado
Viram-se Jesus e Pai Noel
Cada um muito empenhado
Falando do seu papel.
Jesus co´ as mãos a abanar
Mas firme na Identidade
Pai Noel, saco a abarrotar,
Todo cheio de vaidade.
“- Quem és tu, imberbe garoto,
Que andas por aqui a fazer?
Assim descalço e todo roto
E a precisar de comer…
Não te tenho visto por aqui
E muito menos sozinho,
E, segundo eu já entendi,
Estás mesmo um coitadinho…
- Ando a ver as novidades,
Sou o Jesus de Nazaré
A mais humilde das cidades
Filho de Maria e José.
Eu trabalho na oficina
Para o nosso ganha-pão
E às vezes peço na esquina,
A quem passa, o meu quinhão.
- Eu sou oriundo da Lapónia
E venho aqui a abastecer
E já agora sem cerimónia,
Vou por aí… a oferecer.
Tu, coitado, já foi tempo,
Em que eras um senhor,
Agora não tens sustento
E cada vez estás pior.
- Tu tens dinheiro pra tanto?
Passas a vida a esbanjar,
E eu para aqui feito santo
Sem nada pra arrecadar…
O meu pai morreu há pouco
Minha mãe faz pela vida
E eu até dou em louco
Para lhe trazer a comida.
- Quanto a mim, sou solteirão
E sou muito divertido
Mas, pelo sim pelo não,
Ponho tudo em sentido.
Não digas nada a ninguém,
Aqui quem manda sou eu
E ando sempre num vaivém
Para ver se compro o céu…
- A ver se compras o céu?
Não estou a compreender
Lá quem manda é Pai meu
Que não dá o braço a torcer.
E se algo vier a falhar,
Na vida que se tiver,
Ele está pronto a ajudar
Seja homem ou mulher.
- Isso dizes tu, ó fedelho,
Aposto que o Céu tem preço
E eu, mesmo sendo velho,
Vou virá-lo do avesso.
O que importa é o negócio,
De tudo o que seja útil,
E se queres ser meu sócio,
Pára de seres um inútil.
- Não gosto de te ouvir,
Tens a mania que és rico,
Mas ainda me vou rir
Do teu reles mexerico.
Cá por mim, procuro casa
Que me queira aconchegar,
Um caldinho e uma brasa
Já basta pra m´ agradar.
- Então, tens muito que penar
Toda a gente anda tesa,
Mal chega pra desenrascar
E não há que pôr na mesa.
O que vale eu dou um jeito,
Ponho tudo em promoção,
Quer tenha ou não defeito,
E agora… nesta estação…!
- Dizem que entras pela chaminé
Mas não tens idade pra isso…
Ademais, então se o não é,
Como assumes teu compromisso?
- Oh pá, vejo qu´ és um imberbe,
Se não posso levar o frete
E o trenó de pouco me serve,
Deito a mão à internet…
- Ena, fico muito admirado
Por tu seres tão esperto,
Cá por mim, pobre coitado,
Limito-me só ao afecto.
Nasci pobre e sobre a palha,
Pouco tenho para dar
Mas cada ano, Deus me valha,
Sonho o mundo conquistar.
- Oh pá, deixa-te de conversa,
Hoje em dia no mundo inteiro
A paixão que mais interessa
É o cheirinho do dinheiro.
Por isso promovo as compras
E, à vista de tanta prenda,
As crianças até ficam tontas
E os adultos não têm emenda.
- E lá por que és da Lapónia,
Terras de muita riqueza,
Não achas que é ideia errónea
Incentivar a despesa?
Há por cá necessidade,
E tu andas ao contrário,
Em vez de felicidade
Só provocas o calvário.
- Oh, oh, oh, oh, és um néscio
E tens a tua cabeça oca
Pior que tu, só o Lucrécio
Que de ciência tinha pouca.
O mundo não é eterno,
Há que saber aproveitar,
Entre o céu e o inferno
Alguma coisa há-de ficar…
- Pois, finges ter seriedade
E que tens muito valor,
Mas eu, com menos idade,
Aposto tudo no amor.
Se não crês nesta mensagem
E só pensas em explorar
Inverte a tua viagem
E deixa as crianças sonhar.
- Ter coisas é o mais natural -
Estás bastante enganado –
Todo o ambiente de Natal
É o meu Império encantado.
Reforço nele meu estatuto
E uso de todos os meios
Que esta semente dê fruto
Cá nestes meus sacos cheios.
- Sacos cheios, desilusão,
Vê-se bem a resultante,
Fica vazio o coração
E a família muito distante.
Sou criança, sim, criança
E um futuro quero ter,
É essa a minha esperança
E com ela quero viver.”
Acabou aqui a estória
Deste encontro ocasional
Que ficará na memória
Dum qualquer outro Natal.
O Menino Jesus deu cartas
Pai Noel enfiou o barrete
Foi-se embora e virou as latas
Pra Lapónia, como um foguete!
Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA